CAPÍTULO II - GÊNESIS, MUITO MAIS QUE
UM COMEÇO.
“Eu farei de ti uma grande nação ... em ti serão
benditas todas as famílias da terra” (Gn. 12.2,3)
Gênesis é o título dado ao primeiro livro da Bíblia. A
palavra é de origem grega e significa "princípios" ou
"gerações". É a palavra que aparece como
titulo de dez seções de genealogias do Livro de Gênesis. A Bíblia Hebraica
chama o Livro de Bereshit, porque usa sua primeira
palavra como seu título.
A
razão da palavra gênesis é que ela fala
de origem, fonte, inícios. Este então é o sentido do Livro: mostrar como tudo
começou. Ele forma o enredo original de toda a Bíblia. Os assuntos que nele
aparecem de forma sintética, aparecem na Bíblia de forma ampliada. Por isso o
primeiro passo é estudar a relação de Gênesis
com toda a Bíblia.
2.1. GÊNESIS E A BÍBLIA
É
geralmente aceito que a atividade de colocar a revelação por escrito pertence
ao período de Moisés (Ex. 3). Sendo assim o conteúdo do Gênesis é uma síntese
de toda a revelação dada por Deus anteriormente aos patriarcas e, mesmo sendo
uma síntese, pois cobre mais de dois milênios de história, é suficiente como uma introdução básica e necessária para
o restante da Bíblia. Se perdermos, por exemplo, os capítulos 1-11, ficamos sem
respostas para muitas perguntas.
O
Gênesis tem um caráter explicativo porque tudo o que lhe segue tem nele a sua
origem e explicação. Nele se encontram, em forma embrionária, tudo o que vai se
desenvolver mais tarde. Nele também se encontram as raízes de toda a revelação,
e sem ele é impossível entender a Bíblia toda.
Grande
parte das afirmações do Novo Testamento se encontra neste Livro. É por isso que
se pode dizer que “Gênesis está quase mais perto do Novo Testamento do que do Velho, e de alguns
dos seus tópicos mal se ouve falar de novo até suas implicações surgirem plenamente
nos evangelhos”.
Para
destacar a relação íntima que Gênesis
tem com toda a Bíblia, que é inspirada, façamos alguns paralelos dele com o
Apocalipse, o último Livro da Bíblia:
I ) Em ambos há um começo. No Apocalipse, temos um novo começo de toda a ordem
que foi corrompida pelo pecado;
II) Em ambos temos
o Éden. Deus não se
esqueceu do propósito original para o homem. Ele levou avante o seu plano
redentor e o levará até novamente nos colocar no Éden de plena comunhão com
ele.
III) Em ambos
temos os mesmos ideais de santidade e espiritualidade. O homem vivendo plenamente diante de seu Deus sem o
pecado.
IV) Enquanto no
Gênesis vemos que o plano de Deus ficou suspenso por causa do pecado, no Apocalipse vemos Deus fazendo novas todas as coisas. Deus coloca tudo no seu devido lugar. (Compare os
seguintes versículos para notar os contrastes entre Gênesis e Apocalipse: Gn.
3.23 = Ap. 21.25; 3.2 = 21.24; 3.17 = 22. 3; 3.24 = 22.14; 3.16-19 = 21.4; 3.67
= 21.27; 3.19 = 22.5; 3.13 = 20.10, 22.3; 3.8-10 = 21.3).
2.2. GÊNESIS E O PENTATEUCO
O
Livro de Gênesis faz parte do Pentateuco, termo grego usado pela Septuaginta
para indicar os cinco Livros atribuídos a Moisés. Pentateuco significa
"cinco rolos". Os judeus chamam os cinco Livros de Torah, a Lei e cada
livro têm o seu nome derivado da primeira ou primeiras letras de cada livro.
A
relação de Gênesis com o Pentateuco é que ele mostra o surgimento de todas as
coisas e principalmente a nação de Israel. Se começar pelo Êxodo, a história do
povo fica sem sentido. Gênesis então mostra como Deus escolheu soberanamente um
homem, Abraão, e a partir de sua família, formou uma nação e lhes prometeu uma
terra: a terra da promessa feita a Abraão, a Canaã desejada e sonhada pelos patriarcas
e por todo o povo da peregrinação pelo deserto.
2.3. O CONTEÚDO DE GÊNESIS
Podemos notar de forma geral que o Livro está relacionado com a pergunta: "Como tudo começou?" É por isso que há tanta ênfase na origem das coisas. O Gênesis mostra os seguintes inícios:
l) do mundo,
afirmando que ele foi criado ( l . I -25);
II) do homem e da mulher ( I .26-2.25);
III) do pecado (3.1-7):
IV) da promessa da redenção (3.8-24);
V) da vida familiar (4.11 5);
VI) da civilização (4.16-9.29);
VII) das nações (10. 1-1 1.32) e
VIII) de um povo escolhido entre as nações
(12.1-50.26).
1. A Criação (Cap. 1,2). O primeiro testemunho da revelação de Deus nas
Escrituras se encontra em Gênesis 1.1: “no princípio...". Moisés não
estava lá e nenhum outro homem pode dar testemunho deste evento magnífico de
surgimento de todas as coisas. Somente Deus sabe todas as coisas. Perceba que a
ênfase é sobre "os céus e a terra" e não sobre Deus. Não se procura
definir Deus e nem estabelecer datas acerca destes acontecimentos. A Bíblia
assume a existência de Deus como fundamento de todas as coisas. Ela não tenta
provar que ele existe.
"No princípio ... Deus...” é como começa o Livro
de Gênesis, porém, não um simples começo. Por trás da expressão existe uma
profunda teologia, que nos faz ver que o mundo, o homem, a existência são
plenos de significado. Ver o mundo como
vindo de um ato criador é vê-lo como o nosso ambiente vital, proposital e fruto
de ato objetivo. O mundo sem um Criador continua um "abismo", um caos
existencial, pois não sabemos de onde viemos, para o que fomos criados e nem
sabemos nos relacionar com a ordem criada. A vida fica sem passado, sem futuro
e o presente é um fardo pesado sobre um corpo que caminha sobre areia movediça.
Não
se trata apenas de uma constatação óbvia de quem aceita que Deus é a origem de
tudo. O criacionismo, doutrina que crê que Deus criou todas as coisas a partir
do nada, é o ensino de Gênesis I e 2. A teoria da evolução, tão defendida, é
apenas uma teoria que jamais poderá ser provada. O máximo que ela pode ser é
uma interpretação do que aconteceu, mas a criação é testemunho direto de Deus.
A
criação foi um processo de 6 dias, cuja coroação foi o homem. A sequência é
lógica e tudo se faz mediante a Palavra de Deus. O mundo foi, num crescendo, se
preparando para receber o homem que seria a única criatura capaz de se
relacionar com Deus de forma inteligente, pois foi criado conforme a imagem e
semelhança de Deus.
O
capítulo 2 descreve em detalhes o que Deus realizou em relação ao homem, o qual
é ao mesmo tempo magnífico e insignificante. Magnifico porque nele Deus soprou
o fôlego da vida e insignificante porque foi feito
do pó da terra (2.1-7). Deus providenciou tudo para que ele pudesse viver
(2.8-14). Deu-lhe a liberdade, mas condicionou-a a lealdade e obediência a Deus (2.15-17). O homem foi criado
ser comunicativo e é com o cônjuge que partilha o seu mais íntimo ser
(2.18-25).
2. Tentação e seus resultados (Cap.
3). Muitas dificuldades com a tentação
de Adão e Eva. Ela é uma decorrência da liberdade, pois esta não é plena se não
houver uma escolha entre duas ou mais alternativas. A tentação foi permitida
por Deus. Se o homem foi tentado é porque é provido de vontade própria. O
homem poderia ter dito não a Satanás. Não havia necessidade e nem
obrigatoriedade de o homem haver pecado.
O
processo de tentação ensina vários princípios. Henry A. Virkler diz que Satanás:
I )
maximizou as restrições de Deus;
2)
minimizou as consequências;
3)
deu novo rótulo à ação;
4)
misturou o bem com o mal;
5)
misturou o pecado com a beleza; e
6)
levou Eva à má interpretação das implicações. O pecado trouxe resultados
desastrosos, tanto para o homem como para a natureza, indo desde a perda da
inocência até o amaldiçoamento da terra. Todo o homem e todas as suas relações
foram prejudicadas pelo pecado.
3. O homem longe de Deus, o novo
começo com Noé e a Torre de Babel (Cap. 4-11). Entre a queda e a chamada de Abraão, estima-se que haja quase 2000
anos de história. A descrição de Gênesis é uma síntese interessada mais na
importância moral dos eventos do que no tempo cronológico decorrido. Nesta
perspectiva você pode ler as genealogias dos capítulos 4 e 5 e perceber que há
o interesse do autor em estabelecer dois tipos de pessoas: os filhos de Deus (cap. 5 - Sete e sua linhagem) e os filhos dos
homens (cap. 4 - Caim e sua linhagem). Estes últimos perpetuaram a linhagem dos
que se rebelaram contra Deus e aqueles constituíram a dos que se mantinham fiéis
a Deus. O grande problema ocorreu quando
os filhos de Deus cruzaram com os filhos dos homens. Os resultados foram
trágicos, principalmente do ponto de vista moral (cap. 6).
O homem se distanciou de Deus de tal forma que este o
visitou em um julgamento histórico severo na forma do dilúvio, o qual foi a
execução de juízo, ao mesmo tempo que foi uma medida de salvação,
a fim de que o homem não perpetuasse a sua maldade (cap. 7). A misericórdia de
Deus, contudo, é grande e quis ter um novo começo a partir da família de Noé
(cap. 8-10).
Deus
havia, logo depois que Noé e sua família deixaram a arca, imposto severas
restrições, tais como uma expectativa de vida menor, o trabalho mais difícil e
a pena de morte (9.1-7) para poder conter a maldade humana.
A
Torre de Babel foi a tentativa de o homem desobedecer a Deus na ordem de se
espalhar e encher a terra. Queriam construir uma torre que, segundo alguns
intérpretes, não tocasse literalmente o céu, mas que representasse o céu, ou
seja, na torre todos os astros e divindades estariam representados. A torre era
o monumento de idolatria. A confusão de línguas foi um limite que Deus impôs a maldade
humana. Uma única língua é um instrumento poderoso na comunicação. A confusão
de línguas provocou uma crise na comunicação.
4. Um homem, uma família, uma nação e
a bênção para todas as nações (Cap. 12-50). Deus não esquece sua promessa de redimir o homem (3.15). Ele, que antes
tentava agir na humanidade como um todo, agora se volta para um homem, a fim de
por meio dele, abençoar a humanidade inteira. Abraão é este homem (cap. 12-20).
O pacto com Abraão é confirmado por todo o livro (13.14-18: 15.1-21: 17.6-8;
22.15-18: 26. 1 -5: 28. 13-1 5). Abraão, por sua fidelidade é considerado o pai
da fé (Hb. 1 1.8-19: At 7.3; Rm. 4: Gl. 3).
O pacto de Deus continua com Isaque (Gn. 26) e com
Jacó (Gn. 28.13-15). Por meio de Jacó é que Deus começa a nova nação, pois ele,
cujo nome foi mudado para Israel, é o pai dos 12 cabeças das tribos de Israel.
José
é instrumento nas mãos de Deus para preservação de sua família, que não era uma
simples família, mas aquela por meio da qual Deus iria trazer o Salvador. Tudo
o que José passou no Egito foi necessário para que Deus cumprisse seus propósitos.
Há muitos paralelos entre a vida de José e a de Jesus. O aspecto mais
distintivo, porem, é aquele que mostra a dimensão de instrumento como salvação
do seu povo. Israel não podia esquecer que era uma nação com uma vocação
missionária. Deveria ser uma bênção para todas as nações.
ESTRUTURA DO LIVRO DE GÊNESIS
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1 a 11 – GLÓRIA E DECADÊNCIA
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12 a 50 – O INÍCIO DE UMA NAÇÃO
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1.1-2.3 – A história da criação
2.4-3.24 – Prova e queda do homem
4.1-6.8 – O homem longe de Deus
6.9-8.14 – Deus visita a humanidade em julgamento
8.15-10.32 – Um novo começo
11.1-32 – Babel: um limite ao homem
|
12-20 – Abraão, o pai da fé
21-26 – Isaque, a fé sob prova
27-36 – Jacó e o surgimento de Israel
37-50 – José e a direção de Deus
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2.4. A RELEVÂNCIA DE GÊNESIS PARA HOJE
Gênesis dá respostas que tornam a vida significativa. O Gênesis é mais que um livro que procura descrever
como tudo começou: serve como uma chave hermenêutica porque fala do propósito
primordial de Deus para a vida humana e seu mundo. Além de falar como as coisas
se corromperam por causa do pecado, fala também de como, no princípio, deveriam
ser.
Ensina como
deveria ser o nosso relacionamento primordial com Deus. Se hoje temos que nos relacionar com Deus como nosso
Redentor é porque elementos estranhos se interpuseram na relação primordial. O
ideal de se relacionar com Deus nos moldes da relação de Gênesis I e 2 é
perseguido por toda a Bíblia (veja Isaías 65.66). O Livro de Apocalipse
estrutura a esperança em forma de um novo Éden, uma relação sem barreiras!
O Gênesis mostra
que Deus já planejou salvar o homem! Em
Gênesis 3.15 vemos o plano redentor de Deus. A expulsão do Jardim também foi um
ato de misericórdia e salvação. O dilúvio e a confusão de línguas também são
considerados atos de misericórdia de Deus. Ele dirige a história! A chamada de
Abraão, bem como a direção de Deus sobre sua família, levando-a para o Egito,
constituem atos redentores de Deus.
O valor das
pessoas, tais como Abraão, Jacó e Isaque, no Gênesis estão no fato de elas
contribuírem para os propósitos redentores de Deus. Deus olha para além das pessoas, porque elas não são um
fim em si mesmo, mas meios nas mãos de Deus para que os seus propósitos sejam
alcançados. O grande valor das pessoas no Livro de Gênesis reside exatamente
nesta verdade. José é um exemplo. Ele mesmo entendeu que tudo em sua vida
aconteceu para que Deus cumprisse os seus propósitos em salvar a sua família.
Referência Bibliográfica:
RIBEIRO, Jonas Celestino. Toda a Bíblia em um ano. 3ª ed. Rio de
Janeiro: Ed. Horizontal, 1997.
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